O post de hoje mergulha em aspectos técnicos amplamente utilizados no mercado financeiro, explorando ferramentas e estratégias que moldam as operações atuais. Inicialmente, hesitei em publicá-lo, temendo que termos específicos e operações complexas, como iron condors e trend following, pudessem ultrapassar o objetivo do Mosca e alienar parte dos leitores. Contudo, decidi seguir em frente, pois, mesmo que essas técnicas não sejam imediatamente compreensíveis, elas revelam a sofisticação das práticas contemporâneas e o impressionante avanço dos investidores de varejo. Com a democratização de ferramentas de inteligência artificial e plataformas de trading automatizado, os retail traders estão não apenas acompanhando, mas também desafiando os gigantes institucionais, transformando o mercado em um campo de jogo mais dinâmico e acessível.
A imagem dos investidores de varejo, os chamados retail traders, sempre foi marcada por estigmas. Estudos apontam que 80% deles perdem todo o capital em seis meses, um cenário que reforça a percepção de amadorismo e fragilidade. Contudo, o Mosca sinaliza, a nova era da inteligência artificial (IA) está reescrevendo essa narrativa. Relatos recentes, como os da Bloomberg, mostram que esses "peixes pequenos" estão se equipando com ferramentas sofisticadas, desafiando o mercado com estratégias quantitativas e bots automatizados. Paralelamente, a adoção da IA por empresas, conforme o AI Adoption Tracker da Goldman Sachs, acelera, sinalizando um impacto profundo nos mercados financeiros.
A Ascensão dos Retail Quants
Os investidores de varejo não são mais os aventureiros desavisados de outrora. Equipados com algoritmos e ferramentas de IA, eles estão se transformando em retail quants, capazes de rivalizar com grandes instituições. Segundo artigo da Bloomberg, assinado por Aaron Brown, esses traders estão impactando os preços financeiros, especialmente em opções de zero-day-to-expiration (0DTE) do índice S&P 500. Dados da Cboe Global Markets mostram picos de volume em ordens pequenas (menos de 10 contratos), indicando que o varejo agora domina a maior parte do volume dessas opções, muitas vezes superando o próprio índice.
O segredo dessa transformação está na acessibilidade. Corretoras com comissões zero, como Interactive Brokers e Webull, oferecem APIs1 que conectam softwares de trading automatizado, permitindo que traders amadores construam estratégias complexas sem conhecimento profundo de programação. A IA amplifica essa capacidade, fornecendo ferramentas gratuitas ou baratas para criar algoritmos e gerenciar portfólios com precisão profissional. Diferentemente dos hedge funds, que operam com alta alavancagem e custos regulatórios, os retail quants negociam com baixo ou nenhuma alavancagem, reduzindo riscos e custos.
1 A sigla API significa Application Programming Interface (em português, Interface de Programação de Aplicativos). É um conjunto de definições e ferramentas que permite que diferentes softwares ou sistemas se comuniquem entre si, compartilhando dados ou funcionalidades de forma padronizada. No contexto, as APIs são usadas por corretoras como Interactive Brokers para conectar softwares de trading automatizado, permitindo que retail traders executem estratégias complexas sem interação manual.
Este gráfico ilustra os picos de volume às 10h, 10h15, 10h30, 11h e 14h, evidenciando a sincronia dos bots de varejo.
Embora os retail quants não tenham os dados sofisticados dos fundos profissionais, sua agilidade e baixo impacto de mercado — uma ordem de poucos dólares não move preços como uma de milhares — criam vantagens únicas. Estratégias como trade de valor, que monitoram métricas como P/L e P/VPA, permitem retornos comparáveis a fundos de valor, mas sem as taxas elevadas. A Bloomberg destaca que esses traders não precisam superar os profissionais diretamente; muitas vezes, operam em nichos, como mercados de pequena capitalização, onde a expertise especializada prevalece.
O Lado Sombrio da Automação
Nem tudo é um mar de rosas. O artigo de Bernard Goyder, reforça essa preocupação. A sincronia dos bots de varejo, que executam ordens em horários previsíveis (como às 10h em Nova York), cria comportamentos de manada que podem ser explorados por participantes mais sofisticados. Henry Schwartz, da Cboe, aponta que esses picos de volume, visíveis há pelo menos um ano, são impulsionados por estratégias sistemáticas como iron condors2. Kevin Darby, da CQG, compara o mercado a uma casa de apostas: sabendo quando as ordens chegam, market makers ajustam cotações para lucrar.
2 É uma estratégia de renda que combina duas outras estratégias de opções: um Bear Call Spread (venda de um call spread) e um Bull Put Spread (venda de um put spread). O objetivo é gerar lucro quando o preço do ativo permanece dentro de uma faixa específica até o vencimento das opções, aproveitando a deterioração do valor temporal.
Apesar das críticas, defensores como Troy McNeil, da Options Omega, argumentam que a diversidade de estratégias — com traders comprando e vendendo em direções opostas — mitiga esses riscos. Ainda assim, a visibilidade desses padrões, como destacado por Matthew Amberson, da ORATS, surpreende até os veteranos, sugerindo que a automação em massa pode ser uma faca de dois gumes.
A Onda de Adoção da IA nas Empresas
Enquanto os retail traders redefinem o mercado, as empresas correm para integrar a IA em suas operações. O AI Adoption Tracker da Goldman Sachs, atualizado em 5 de junho de 2025, mostra que o investimento em IA segue robusto, especialmente em semicondutores, com projeções de crescimento de receita de 36% até o fim de 2026. Desde o lançamento do ChatGPT, analistas revisaram as projeções de receita para semicondutores em US$ 200 bilhões (0,7% do PIB dos EUA) e para hardware enablers em US$ 105 bilhões (0,4%).
Este gráfico sublinha a confiança do mercado no crescimento do setor de semicondutores, impulsionado pela IA.
O relatório também aponta que os embarques de componentes relacionados à IA cresceram nos EUA e na França, embora tenham recuado no Japão e na Alemanha. A metodologia do BEA, que trata semicondutores e serviços de nuvens como insumos intermediários, subestima o impacto econômico da IA sugerindo que os números reais são ainda mais impressionantes.
O resultado de adoção em todos os segmentos da economia mostra uma evolução significativa desde a confecção desse documento em outubro de 2023. Para todas as indústrias, a adoção supera os 10%, onde os setores mais sensíveis a essa mudança: Informática, Profissional, Científico e Técnico, bem como Serviços de Educação, superando a marca de 20%. A projeção para os próximos 6 meses marcam uma aceleração nesta tendencia.
Estratégias de Trend Following e o Papel da IA
A sofisticação dos retail quants também ecoa em estratégias de trend following, que, segundo a Research Affiliates, oferecem proteção contra quedas de mercado. Essas estratégias, que compram ativos em alta e vendem os em baixa, apresentam retornos assimétricos, com ganhos significativos durante crises, como em 2002, 2008 e 2022, quando o SG Trend Index superou o S&P 500 em quase 50%. A IA facilita a construção dessas estratégias, ajustando parâmetros como lookback periods3 e funções de resposta para otimizar a relação entre Sharpe ratio4 e skew5.
Esta tabela destaca a capacidade do trend following de proteger portfólios durante crises.
3 Lookback: Em finanças, refere-se ao período retrospectivo usado para analisar dados históricos, como preços ou volatilidade, em estratégias de investimento ou modelos. Por exemplo, um lookback de 30 dias considera os dados dos últimos 30 dias para calcular indicadores, como médias móveis em trend following.
4 Sharpe Ratio: Mede o retorno ajustado ao risco de um investimento. É calculado como o retorno médio do portfólio menos a taxa livre de risco, dividido pelo desvio padrão dos retornos (volatilidade). Um Sharpe Ratio maior indica melhor retorno por unidade de risco. Exemplo: Um Sharpe Ratio de 1 significa que o portfólio gera 1% de retorno adicional por unidade de volatilidade.
5 Skew (Assimetria): Descreve a assimetria da distribuição de retornos. Um skew positivo indica mais retornos extremos positivos (ganhos grandes raros), enquanto um skew negativo sugere mais retornos extremos negativos (perdas grandes). Em estratégias como trend following, um skew positivo é desejável para proteção contra quedas de mercado.
A Research Affiliates enfatiza que a escolha entre Sharpe ratio (retornos ajustados ao risco) e skew (proteção contra eventos extremos) é crucial. Configurações com lookbacks curtos aumentam o skew positivo, mas sacrificam o Sharpe ratio. A IA permite aos retail traders personalizar essas estratégias, combinando múltiplos portfólios para alcançar um equilíbrio ideal.
Conclusão: O Futuro é dos Peixes Pequenos?
O Mosca enfatiza que o mercado é um ecossistema dinâmico, onde os menores podem surpreender. A ascensão dos retail quants, armados com IA, é prova disso. Eles não apenas desafiam a narrativa de fracasso, mas também influenciam preços e criam novas dinâmicas de mercado. A adoção acelerada da IA pelas empresas, como mostra a Goldman Sachs, reforça que essa tecnologia é o motor da próxima década. Contudo, a sincronia dos bots e a previsibilidade de suas ações exigem cautela. Para os investidores de varejo, o desafio é manter a audácia sem cair nas armadilhas da automação. Para o mercado, a lição é clara: nunca subestime os peixes pequenos.
Análise Técnica
No post “não-existe-se-aposentar-da-vida”, fiz os seguintes comentários sobre o IBOVESPA: “Mas como interpretar o momento dessa onda 4 azul? Existe uma configuração em Elliott Wave que se encaixa perfeitamente quando o mercado está indeciso: um triângulo, que pode estar se formando dentro do retângulo destacado abaixo.”
A situação da bolsa é delicada no que diz respeito à validade da minha contagem. Vou explicar os motivos: o retângulo destacado em laranja, que corresponde à correção da onda 1 azul, como enfatizei no gráfico abaixo, não é “by the book”. A onda b preta é extremamente longa. Essa característica implica que o stop loss deve ser posicionado em cima dela, em 133.945. Nos últimos dias, o Mosca esperava que a onda 4 azul terminasse para sugerir um trade de compra (quase o fiz, como comentei no post desta semana). Contudo, os movimentos desta semana não formaram as cinco ondas em janelas menores, como deveria ocorrer. Isso me leva a crer que a onda 4 azul ainda não terminou, e, se esse for o caso, pode violar o stop loss mencionado acima.
- David, hoje você acordou com a macaca! Sei que ficou feliz com a vitória da seleção, pois, com Carlito no comando, acredita que agora temos chance na próxima Copa do Mundo. Mas o post de hoje está técnico de cabo a rabo, e você é bem pago para dizer apenas uma coisa: é para comprar ou vender?
Hahaha... Sobre seu primeiro comentário, é isso aí! Mesmo sem mostrar entrosamento, a seleção brasileira já parece outra. O otimismo gerado por Carlito, tanto nos jogadores quanto na imprensa, mudou o clima. Vamo que vamo! Quanto ao IBOVESPA, você já conhece minha opinião: é um bicho sem direção clara no longo prazo. Resumindo: a bolsa precisa subir a partir de agora para ter alguma chance, mas os movimentos de curto prazo ainda não indicam isso.
O S&P 500 fechou a 6.022, com queda de 0,27%; o USDBRL a R$ 5,5392, com queda de 0,62%; o EURUSD a € 1,1483, com alta de 0,52%; e o ouro a U$ 3.364, com alta de 0,74%.
Fique ligado!
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Não é recomendação de investimento.
Sobre o Autor deste Post: David Gotlib tem 45 anos de experiência em gestão de investimentos. Engenheiro pela Poli-USP, foi um dos fundadores do primeiro hedge fund brasileiro, em 1993 (AUM US$ 1bi). Posteriormente, foi Managing Director do Deutsche Bank Asset Management (AUM R$ 2.2bi) até a venda da empresa para o Bradesco. Atualmente, é gestor da carteira própria de investimentos e autor do blog Acertar na Mosca, onde, desde 2011, divulga diariamente seus pensamentos sobre a economia global e o mercado financeiro.